terça-feira, 5 de julho de 2011

Algarvios ilustres - O Remexido

Remexido ou Remechido (como se escrevia no século XIX), nome por que ficou conhecido José Joaquim de Sousa Reis (Estômbar, 19 de Outubro de 1797 - Faro, 2 de Agosto de 1838) foi um célebre guerrilheiro algarvio, que nasceu no Algarve em 1797, em Estombar.


O fenómeno histórico-lendário do Remechido: um homem do povo que sustenta uma causa, empunha uma bandeira e morre de pé, fiel às suas convicções e ao seu idealismo político.

Para os vencedores não passou de um rebelde miguelista que não aceitando a amnistia política publicada após a Convenção de Évora-Monte, se havia transformado por sua livre vontade num bandoleiro, num assaltante de estradas, sanguinário e facínora, um perigoso guerrilheiro, sustentáculo de uma causa que punha em perigo a segurança dos habitantes do Algarve e a própria integridade nacional, já que o seu exemplo servia os interesses das guerrilhas carlistas espanholas, desejosas de concentrarem poderosas forças militares no Algarve e Andaluzia, para investirem contra o ateísmo liberal que se havia apoderado da Península Ibérica.

Foi contra a perversidade dos interesses políticos e das provocações perpetradas pelo governo, preferencialmente infligidas sobre a Igreja - de que resultou o pauperismo das massas camponesas - que se reanimaram as guerrilhas e se reacendeu a contra-revolução miguelista. Não podendo contar com as chefias militares que no tempo da guerra-civil conferiram ao exército miguelista a necessária organização e disciplina, estas limitaram-se a levantar um grito de revolta contra a rapacidade dos novos senhores da terra, clamando por melhor justiça e maior protecção às classes desprotegidas.

Etiquetar alguém de miguelista era uma condenação que fazia dele inimigo público, destituído dos mais elementares direitos cívicos. Era a causa e a consequência de todas as desgraças.

Apesar da amnistia e dos esforços do governo para pacificar o país, o certo é que os sicários do novo regime instigavam a plebe contra os antigos soldados de D. Miguel e seus adeptos políticos. Entre os homens a abater figuravam os nomes do Remechido, no Algarve, e do Padre Marçal José Espada, no Alentejo. Se antes eram adversários políticos, passaram, agora, a foras-da-lei, salteadores, bandoleiros, bandidos armados, etc. Porém, houve um momento em que José Joaquim de Sousa Reis, vulgo Remechido, pensou apresentar-se às autoridades ao abrigo da amnistia. Para isso mandou o seu filho, Manuel da Graça Reis, a S.Bartolomeu de Messines averiguar se podia regressar sem receio nem ofensa dos seus antigos inimigos. Contrariamente ao exarado na competente lei, foi detido e enviado ao presídio de Silves, de onde, aliás, viria a evadir-se pouco depois. 

O Remechido, que se encontrava escondido nas imediações da aldeia, perdeu todas as ilusões e assim como ele todos os que o acompanhavam. E a sua desilusão agravou-se ainda mais quando, numa altura em que o filho gemia a ferros, lhe aprisionaram também a esposa, Maria Clara, acusando-a de à semelhança do marido ter cometido certas atrocidades contra os cidadãos liberais e de ter divulgado «noticias altamente subversivas contra o Governo Legitimo de S.M. a Rainha». Parece que a mulher do Remechido propalara o boato de estar prestes a chegar uma esquadra da Rússia para auxiliar a causa absolutista a recuperar o trono, animando com isso os serrenhos a reunirem-se ao marido.

A ofensa foi inaudita, pois sujeitaram a esposa do rebelde ao aviltante espectáculo público da rapagem do cabelo e do suplício das palmatoadas em pleno adro da igreja de Messines. Diz-se que o povo, ainda não satisfeito com o bárbaro castigo, pilhou e incendiou a casa do célebre guerrilheiro. A afronta excedeu todos os limites. Contudo, o Remechido não reagiu de pronto, receando o poder de fogo da Guarda Nacional ali estacionada. Esperou melhor justificação para chamar a si os homens que andavam pela serra em pequenas pilhagens sem qualquer significado político que não fosse o de, simplesmente, matarem a fome. E o momento chegou quando D. Miguel publicou a 21-3-1836 uma «Proclamação aos Portugueses» chamando-os a retornar à causa da Pátria e da Santa Religião.

Receando o confronto aberto com as experimentadas tropas do governo, mais numerosas e melhor armadas, o Remechido optou pela estratégia da camuflagem, mandando dispersar os seus homens pelas terras e lugarejos de onde provinham, vestindo a pele de camponeses, trabalhadores rurais ou de pobres agricultores. Enquanto não recebessem ordens do seu chefe deveriam manter-se ordeiramente nos seus casais da serra, substituindo as armas pelas alfaias agrícolas. 

As guerrilhas poderiam ter suspirado de alívio se as contingências do destino, desta vez, não se tivessem virado para o lado do mais forte. Com efeito, no dia 28 de Julho, delataram a presença do Remechido à frente de uma força de 248 homens no sítio da Portela da Corte das Velhas. Face ao desequilibrado poder de fogo e às dificuldades de furar o cerco, os rebeldes viram cair 56 dos seus homens, após o que iniciaram uma desordenada retirada. Para trás ficou o Remechido a descoberto e à vista da tropa que logo o identificou. Levaram-no para Faro, onde foi julgado em Conselho de Guerra, no dia 1 de Agosto, no salão nobre da Misericórdia, que o condenou à pena capital.


No dia seguinte, pelas dezoito horas no Campo da Trindade (actual Jardim João de Deus, vulgo Jardim da Alameda) foi fuzilado, e de imediato sepultado no cemitério da Misericórdia.

A sua presença de espírito perante o tribunal que o condenou; a forma serena, íntegra e respeitosa como recebeu os últimos sacramentos; as últimas palavras que por escrito dirigiu ao filho no sentido de procurar, no indulto que a lei lhe oferecia, a paz que ele próprio nunca desfrutara, são pormenores que revelam a superior personalidade de um homem honrado, fiel às suas convicções e juramentos. Uma análise minuciosa das declarações proferidas durante o julgamento permitem perceber que o Remechido não era o ferino bandoleiro que o governo propagandeava aos quatro ventos. Bem pelo contrário, era um chefe militar de arreigados princípios políticos e razoável instrução, profundamente crente na superioridade da fé católica, pela qual também se bateu de armas na mão.

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