domingo, 26 de junho de 2011

Lendas Algarvias - As Mouras do Rio Seco

Muito próximo de Faro existe o leito de um rio, o rio Seco, como lhe chamam as gentes, que é tido e havido como a principal sede de mouros e mouras encantados nos arredores daquela cidade. 

No tempo da conquista do Algarve, porém, ainda esse rio corria manso para o oceano, possibilitando a sua utilização plena pelos mouros da região, que, logicamente, o usaram para os seus encantamentos, como vamos ver. 

Numa noite de Primavera, dias depois da tomada de Faro, passava um cristão muito perto do hoje chamado rio Seco, quando ouviu umas vozes tristes, num tom manso de quem deseja não ser ouvido. 

Era meia-noite e o homem teve medo. 
Parou para não fazer restolhada e denunciar-se, e pôs-se à escuta. Daí a nada apercebeu-se que eram dois mouros, um velho e uma rapariga. 

Esta estava de joelhos e parecia suplicar qualquer coisa. E ouviu então, distintamente, a voz angustiada do velho dizer: 
- Não pode ser, minha filha, não pode ser .. Tens de ficar aqui encantada! 

- Mas por muito tempo, pai? - perguntava a rapariga com uma voz que se pressentia entrecortada de lágrimas. 


- Até que esta nora, onde mandei construir o teu palácio, seja esgotada a baldes, sucessivamente e sem intervalos. 

E ao mesmo tempo que dizia isto fez uns sinais cabalísticos sobre a cabeça da filha, olhando a lua que corria os céus deixando aqui e ali uma poalha fria e brilhante. 
E a moça, sem mais palavra, sem um ai sequer, deixou-se lançar ao fundo da nora. Tão concentrado estava o cristão no que se passava na nora, tentando perceber bem o que acontecia à moura, que nem deu pelo afastamento do velho. 
Por isso, quando quis segui-lo, não o viu nem conseguiu determinar qual a direcção que seguira. 

Na manhã seguinte, a primeira coisa que o cristão fez foi voltar ao local da cena da noite anterior. 
Viu então que a nora era já um engenho velho e usado, com ar de abandonado há muito. 
Tratou de saber a quem pertencia engenho e terreno e comprou-os sem regatear preço. 
Mandou construir, mesmo ao lado, uma cabana de junco e mobilou-a com alguns móveis. 
Passado o tempo necessário aos preparativos, o homem começou a tirar a água da nora, com o auxílio de um grande balde e de um sistema de roldanas. 

Trabalhou naquela faina dia e noite, horas infindas, sem parar. 
E quando a água do fundo era tão pouca que nem dava já para encher um balde, desceu pela corda até lá abaixo. 
Porém, assim que assentou os pés no fundo, apareceu-lhe uma enorme serpente, vinda de um buraco que comunicava para a nora. 

Ficou tão aterrado, tão cheio de um pânico sem nome, que nem tratou de saber as intenções do bicho e subiu precipitadamente pela corda, fugindo a sete pés. 
Nunca mais lá tornou, mas, dias depois, soube que a nora estava completamente entupida devido à derrocada das paredes, e que a cabana por ele construída fora queimada inexplicavelmente, em certa noite de luar. 

Daí em diante, até hoje, fala-se no aparecimento de uma moura encantada naquele lugar do rio Seco.

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